terça-feira, 16 de outubro de 2012

João Tomé



Apicultura portuguesa, será a lei que regula as densidades de colmeias a mais correta?

Fico satisfeito por ver tantos jovens dinâmicos a interessar-se por este fascinante mundo que é
a apicultura, cheios de vontade e garra de se iniciar nesta atividade.

Avizinha-se uma apicultura portuguesa, moderna, competitiva e dinâmica, valorizando e
criando mais poder neste setor. Além dos benefícios para o setor, temos os benefícios sociais,
pois estamos a falar da criação de diversos postos de trabalho.
Contudo, existem vários problemas que podem comprometer a sustentabilidade deste setor.
Vamos falar apenas num deles, as densidades das colmeias que é permitida a nível nacional,
excetuando o Alentejo.

Desde a chegada dos apicultores espanhóis ao território português, que a apicultura
portuguesa não voltou a ser a mesma, infelizmente pela negativa. A partir da década de 80,
foram muitas as colónias dos apicultores portugueses que morreram, pois a chegada das
colmeias espanholas coincidiu com a chegada da varroa e outras doenças ao território
nacional.

Desde então o número de colmeias espanholas não tem parado de aumentar no território
português, chegando aos milhares todos os anos. A abordagem destes “colegas” espanhóis
tem sido muito agressiva, pois, desde a colocação dos apiários em terrenos dos quais não têm
autorização (nem o dono conhecem), ao desrespeito contínuo das distâncias entre apiários,
tem levado a que em algumas regiões tenham sido completamente invadidas, impedindo
neste momento que jovens apicultores portugueses se instalem, tenham boas produções e
colónias saudáveis.

Muitas das autorizações concedidas aos apicultores espanhois, tratam-se de autorizações
ilegais, pois na maioria das vezes são rendeiros de pastagens ou agricultores, que não têm
contrato de exploração apícola dos terrenos autorizados.

No distrito de Castelo Branco, apenas nos concelhos de Idanha-a-Nova, Castelo Branco e Vila
Velha de Ródão, existem 40.000 colmeias espanholas, aumentando o número todos os anos.

Conforme já foi referido, além da ocupação de zonas onde já existem apicultores portugueses,
ou zonas com potencial para os jovens agricultores se instalarem, a perca de rendimentos nas
produções anuais é uma realidade. Outro dos problemas é a constante introdução de doenças
nas zonas controladas (zonas delimitadas a nível nacional, onde existem regras de forma a
minimizar e controlar as doenças das abelhas), pois mesmo que os portugueses se esforcem e
façam um trabalho exemplar, todos os anos se veem confrontados novamente com as
doenças, pois o facto dos espanhóis efetuarem transumância de milhares de colmeias, mesmo
que haja um controlo veterinário, é impossível controlar tantas colmeias. Depois mesmo que
se verifiquem as doenças em Portugal nas suas colmeias, podem sempre alegar que terão sido
infetadas no território português.

A culpa talvez nem seja toda deles, pois se formos a ver, o abandono das “terras” que se
verifica a nível nacional juntamente com a falta de importância que é dada ao setor apícola,
tem permitido que o nosso país seja visto como uma “república das bananas”, permitindo
explorar os recursos naturais portugueses, livre de quaisquer impostos, pois os produtos das
colmeias explorados (principalmente pólen) são faturados na vizinha Espanha, não havendo
qualquer controlo, nem registos.

Se considerarmos uma média de 3 kg de pólen por colmeias (um valor baixo, para colónias que
produzem apenas polén), estas 40.000 colmeias destes 3 concelhos do distrito de Castelo
Branco, poderão produzir entre 100 a 120 mil kg de pólen/ano. Uma vez que os preços do
pólen variam entre 5 a 8 euros o kg (vendido a granel) podemos estar a falar numa faturação
que pode chegar a 1 milhão de euros. É pena que possivelmente sejam faturados em Espanha,
apesar da sua proveniência ser portuguesa…

E não se esqueçam, estamos a falar apenas de 3 concelhos a nível nacional…

E como quem não vê não sente, as entidades competentes nada fazem a este respeito, pois
não se sabe os milhares ou milhões de euros que todos os anos são faturados a partir de
recursos naturais nacionais.
Outro problema que se tem verificado que também é gravíssimo são os abelharucos (Merops
apiaster). Esta espécie tem como base da sua alimentação as abelhas. Acontece que sendo
uma espécie selvagem, o sucesso da sua reprodução está relacionada com a abundância de
alimento. Os milhares de apiários espanhois que se verificam nesta zona permite a esta
espécie reproduzir-se abundantemente.

Estas aves geralmente poem 2 a 6 ovos. Uma vez que têm alimento em abundância a taxa de
sucesso e sobrevivência das crias é elevada, criando populações elevadas.

Até aqui tudo bem, é a lei da vida e da sobrevivência, contudo, os apiários espanhois são
retirados durante o mês de Junho, fazendo com que essa população de abelharucos, que até à
data estava dispersa por centenas de apiários, “ataque” catastroficamente vários apiários
portugueses, causando prejuízos incalculáveis.

Depois deste desabafo vamos ao tema do artigo.

A legislação portuguesa permite a colocação até um máximo de 100 colmeias por apiário,
tendo de ficar distanciados 800 metros uns dos outros, caso um dos apiários tenha mais que
30 colmeias.

As abelhas em média exploram a flora circundante num raio de 2 a 3 km, podendo chegar aos
10 km em épocas de carência. Contudo segundo alguns estudos será num raio de 2km que se
verifica maior atividade.

Ao permitirmos a colocação de 100 colmeias por cada 800 metros, quer dizer que se permite a
colocação de 1800 colmeias no raio de exploração (2km) do apiário central. Todas estas
colmeias também irão explorar os recursos desta zona.

As colmeias mais fortes, no auge da primavera chegam a ter 60 000 abelhas, isto quer dizer
que podemos ter 114 milhões de abelhas num raio de 2km.

Esta é apenas uma análise simplista e grossista, contudo, é mais que suficiente para
entendermos que podemos ter um problema de sustentabilidade.

Nem sequer vamos estar a falar da quebra de produção, caso se verifiquem todos estas
colmeias. A qualidade da comida é essencial para as abelhas, desenvolvimento das larvas e
para resistirem, por exemplo ao Inverno e algumas doenças.

Com uma grande densidade de colmeias/ha é muito difícil para as abelhas obterem alimento
de qualidade, principalmente pólen de qualidade que contenha elevados teores proteicos e
aminoácidos essenciais. Consequentemente, isto enfraquece o sistema imunológico das
abelhas, tornando-as mais vulneráveis às doenças.

Existem estudos que relacionam diretamente o alimento de baixa qualidade com o
enfraquecimento e morte das colónias. Todos os países têm tido grandes perdas (mortalidade
de colmeias) todos os anos. Por exemplo, Espanha tem tido perdas na ordem dos 14 aos 89% e
França 29,3% (Recent data compiled by the COLOSS working group).

A origem continua desconhecida, contudo, tudo indica que sejam inúmeros fatores, desde,
pesticidas, doenças e as elevadas densidades de colmeias/ha.

Durante a floração do rosmaninho e Esteva (Março a inicio de Maio), é a única altura na região
de Castelo Branco/Idanha-a-Nova, onde se reúnem as melhores condições para as abelhas em
termos nutricionais, sendo os restantes meses do ano muito “pobres”, sendo bastante
problemático as elevadas densidades de colmeias em algumas zonas, criando stress nas
abelhas, pois têm de competir pelo alimento.

A título de exemplo, na Austrália, onde as produções/colmeia são muito boas (50 a 60kg de
mel, em média, podendo atingir os 120kg), por lei, a distância entre apiários “comerciais” (100
colmeias), são de 1,5 a 2km, havendo regiões que chegam aos 3km.

Na região de Castelo Branco as colmeias produzem em média 15 a 20kg/colmeia, dependendo
dos anos, mas podem atingir valores inferiores a 10kg/colmeia em anos maus.

No Alentejo as distâncias entre apiários é de 1,5 km, com um máximo de 75 colmeias/apiário.

Se formos a ver a região de Castelo Branco, em termos edafo-climáticos e flora explorada pelas
abelhas, pouco ou nada difere de muitas regiões do Alentejo.

Voltando aos espanhóis, imaginem zonas em que existem vários apiários com 100 colmeias,
que distam entre si 450 a 500 metros, pois estão ilegais. É esta situação sustentável?
Isto tudo para fazer entender aos decisores e colegas apicultores que é necessário fazer algo
urgentemente, pois o aumento do número de colmeias que estamos à espera na nossa região,
devido aos projetos de jovens agricultores que estão em curso, juntamente com o aumento
esperado do número de colmeias espanholas vai originar insustentabilidade, contudo já se
verifica em muitas zonas.

Seria urgente, pelo menos, adotar as distâncias (1500 metros) e o número de colmeias máximo
por apiário (75) que já é praticado no Alentejo, pois raros são os apiários portugueses nesta
zona que têm mais de 75 colmeias.

O controlo das distâncias deveria ser efetuado logo no ato de registo anual das colónias, pois
as tecnologias que já dispomos permitem de forma simples e eficaz saber com exatidão a
distância. Basta criar uma base de dados com as coordenadas GPS dos apiários (prática comum
já verificada noutros países). Isto evitava que as equipas do SEPNA (que têm feio um bom
trabalho) recebessem tantas queixas por desrespeito de distâncias e falta de autorizações para
a colocação de apiários espanhois.

Também deveria ser obrigatório a apresentação de uma autorização assinada pelo
proprietário.

Esta alteração de distâncias não necessita de ser nacional, pois a flora difere de região para
região, contudo, na nossa zona onde o Rosmaninho é dominante, é urgente a implementação
de novas medidas.

Apenas em algumas regiões junto a Espanha se verifica esta problemática, fazendo com que a
mensagem não chegue da forma devida, sendo esta situação menosprezada, pelo que se
agradece a todos os colegas apicultores que se juntem a esta causa de forma a criar uma
solução.

Cabe ao governo e às entidades competentes, reverem e pensarem o futuro que querem para
a apicultura portuguesa, pois numa época de crise como a que estamos a atravessar é
necessário criar condições favoráveis à instalação de jovens apicultores, criando desta forma
postos de trabalho.

É o segundo artigo que público em que faço referencia ao problema dos apiários espanhóis,
pelo que peço desculpa aos colegas que cumprem a lei da apicultura portuguesa e respeitam
os proprietários e apicultores portugueses, agradecendo também que tenham “bom senso” e
“sensatez” quando se virem confrontados com o aumento do número de colmeias
portuguesas…

Saudações apícolas!

João Tomé
…um apicultor, pela apicultura…

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Carta aberta aos Sócios...



Carta aberta aos Sócios da Sociedade dos Apicultores de Portugal

Amigos Associados:

Sou sócio da SAP há perto de trinta e cinco anos, desde os tempos em que apenas ocupávamos uma pequena salinha, que não tinha mais de nove metros quadrados, num 2º ou 3º andar (já me falha a memória) da Rua de S. Lázaro e onde tínhamos tudo o que podíamos ter.

Lembram-se ?

Vendia-se cera e material apícola (menos colmeias, porque não havia espaço para as ter). Até tínhamos uma biblioteca (as vezes que eu li o “A, B, C e  X, Y, Z da Apicultura” de Root) e um centrifugador para emprestar aos sócios.

As reuniões decorriam num salão do mesmo andar, que nos era graciosamente cedido por uma colectividade. Era um salão enorme com um palco e tudo, onde às quintas-feiras à noite nos juntávamos para ouvir falar os apicultores mais velhos e experientes.

Quem não se lembra do Exº. Sr. António Briosa? E do Exº. Sr. Engº. Rosário Nunes, que foi presidente da SAP e Director do então Centro de Estudos Zoológicos do Ultramar e, a primeira pessoa a identificar em Portugal a Acarapisose ?

O salão ficava literalmente apinhado de sócios sentados e em pé e, muitos que já não cabiam na sala, em pé no corredor, bebendo os ensinamentos dos Mestres que ali pontificavam.

E as deliciosas Feiras do Mel, realizadas na Avenida Guerra Junqueiro, uma das mais nobres zonas da cidade de Lisboa, um verdadeiro emblema da SAP? Foi numa destas feiras que tive o meu primeiro contacto com a Sociedade, tendo desde logo sido proposto para sócio pela mão do Exº. Sr. Fernando Silva Quaresma, um dos Fundadores.

Era, na época, um frequentador assíduo das palestras de quinta-feira. Depois, os afazeres profissionais e a mudança da SAP para a sua actual morada no Largo Dr. Bernardino António Gomes e a minha mudança de residência, levaram a que me afastasse lentamente do são convívio da Sociedade.

Há uns dez ou quinze anos fui voltando esporadicamente. A roda do tempo tinha feito os seus estragos, as coisas estavam diferentes, mas tudo muda e, embora de modo nenhum com a grandeza de outros tempos, a Sociedade ia funcionando.

O tempo passou e a situação foi-se degradando. Erros de gestão e o abandono que se instalou, arrasaram a SAP. Cheguei a pensar que era apenas uma questão de pouco tempo, até encerrar definitivamente. Nos últimos três anos quase lá não fui. Por um lado, pela total ausência de disponibilidade de tempo, por outro, porque frequentemente estava encerrada.

A quantos sócios isto aconteceu? Há quanto tempo não vai à SAP?

Ao mesmo tempo sentia uma grande tristeza quando pensava na SAP, que tantas alegrias me tinha proporcionado e, por outro lado, um grande sentimento de culpa, por nada fazer pela Associação, que me tinha recebido e ensinado tudo o que eu sabia de Apicultura.

Em Novembro do ano passado, andava eu a passear pelo Fórum de Mirandela, quando oiço alguém chamar-me. Para meu espanto, era o Sr. Domingos Serrano que me diz :
“ - Ainda bem que o vejo. Preciso de falar consigo.
 - Então não foi à reunião da semana passada? A SAP vai ter uma nova Direcção. A reunião não ficou concluída e continua na próxima semana. Precisamos que vá lá.”

De facto os ficheiros estavam de tal forma desorganizados, que há anos que não recebia qualquer correio da SAP, como também não recebi daquela vez. Mas a fantástica coincidência do Sr. Serrano me ter encontrado deixou-me desconcertado, uma vez que o estado de degradação que a SAP tinha atingido, não me saía da cabeça e, havia já algum tempo, que achava que devia fazer alguma coisa. Não podia faltar à reunião que continuaria na próxima semana.

Na semana seguinte fui então à reunião. E posso dizer que foi uma das melhores coisas que até hoje fiz na vida. Pude conhecer a nova Direcção. Um grupo com idades entre vinte e os oitenta anos, absolutamente fantástico, coeso, colaborante, trabalhador, motivado, determinado a fazer renascer a Sociedade das suas cinzas. Pessoas maravilhosas.

Começando pelos mais novos, a Exª. Srª. Engª. Carina Brilha, distintíssima Engenheira da Produção Animal de excelência e Apicultora de primeira água, que mal sabia eu na altura, viria a desempenhar, dentro de cerca de onze meses, um papel fulcral na SAP; o Exº Sr. Dr. Sérgio Gouveia, Médico Veterinário competentíssimo e Apicultor enérgico e decidido; o Exº. Sr. Alcides Martins, Apicultor muito experiente e avisado, rigoroso e dedicado como poucos; o Exº Sr. Fernando Pinto, Apicultor muito experiente em apicultura tradicional fixista; o Exº. Sr. Miguel Madureira, Apicultor e especialista em hidromel e, a pessoa que contra todas as adversidades e com pesados sacrifícios pessoais, manteve a Sociedade viva para a poder trazer até esta Direcção. Por último o Presidente da SAP, o Exº. Sr. Domingos Serrano, Apicultor por demais conhecido de todos, com tão larga experiência, que seria inútil qualquer apresentação que eu pudesse dele fazer.

E o resultado do hercúleo trabalho deste fantástico grupo é já bem visível. A SAP, como a mítica ave, ressurge das cinzas, está de novo nas bocas do mundo, desta vez pelas melhores razões. A sua presença em vários eventos, como Sociedade, ou através dos seus elementos é uma constante. Do Congresso da APEZ, à Apiocasião, da Avis Mellífera aos Fóruns Nacionais, a SAP está lá. Em cerca de dez meses, apesar das dificuldades encontradas (até uma inundação que destruiu as suas instalações), efectuou um curso de Apicultura e Criação de Rainhas (com mais de quarenta horas) e prepara agora um Curso de Iniciação. Efectuou um Concurso de Mel. Participou em vários certames, com a finalidade de trazer os produtos dos associados ao mercado e aos consumidores, culminando com a imensa e extraordinariamente bem sucedida Feira do Montijo, onde se reviu e se ultrapassou a SAP de há trinta anos, em toda a sua grandeza, pujança e magnitude.

E é para continuar!

Amigo Associado, ainda quer ficar de fora?

Com a actual Direcção, a Sociedade dos Apicultores de Portugal é imparável.

A Fénix, finalmente renasceu.

António Hermenegildo
        Sócio nº.  1786